4 de jul. de 2010

PROIBIDO DEFINIR (LIMITAR)
por francisco verani protasio

A música popular brasileira, em toda sua história, constituiu-se através de misturas e embates. Portanto, pensar que existe uma matéria-prima para esse fenômeno é pura contradição. A definição de artistas e estilos também é complicada, já que extrapolar as barreiras de determinado conceito fica fácil, tendo-se em vista que essas barreiras não são nem um pouco nítidas.

Como exemplo para essa afirmação caem muito bem a Bossa Nova e dois de seus principais participantes: Tom Jobim e VinÍcius de Morais. É difícil definir a Bossa Nova, embora muitos o façam. Sua criação, no final da década de 50 por João Gilberto, parece clara, junto com as características trazidas pelo autor: principalmente o estilo rítmico novo e a voz de “sussurros”. Tom e Vinicius entraram com letras e harmonias: as composições que João nunca fizera. A partir daí surgem as definições mais conhecidas, junto com mais duas da parte mais crítica ao estilo: a influência do jazz, isto é, da música norte-americana, e o fato de ser uma música alienada de classe média, despreocupada e desprendida da classe mais baixa.

Desconstruir essas definições, provando que as barreiras de identificação não são tão claras assim, pode ser feito através de exemplos. Enquanto Elis Regina - intérprete que não se identifica com as características "bossa-novistas" - canta "Águas de Março", João Gilberto faz o samba antigo "Falsa Baiana", de Geraldo Pereira, com todo o jeito da Bossa. "Falsa Baiana" é um samba tradicional, de um compositor amigo de Cartola, que morava próximo ao morro da Mangueira. Aí fica difícil saber se um dos dois exemplos citados é Bossa Nova, ou talvez os dois. Serão as composições ou o jeito de interpretá-las? Quanto à influência do jazz, é verdade, existe um pouco. E voltemos à questão da matéria-prima da música brasileira. O samba tradicional faz esse papel para os críticos da Bossa Nova, porém ele também surge de misturas africanas. Se o problema da mistura é ser com os Estados Unidos, é um fator muito mais político de época do que musical. Para a música, seja da nacionalidade que for, essa miscigenação é muito rica, como foi na Bossa Nova. O que é e o que deixa de ser é o menos crucial, mas a partir desse fenômeno a música brasileira deu mais um passo importante em sua história – isso é inegável.

Desconstruída a visão limitada que muitos têm da Bossa Nova, falemos de Vinicius de Moraes e Tom Jobim. Muito ligam seus nomes diretamente à Bossa, porém ambos foram muito além de apenas um estilo musical. Não venho analisar João Gilberto porque, esse sim, tem que ser ligado, senão somente, principalmente a esse gênero.

Tom Jobim tem uma formação erudita, já tendo feito até uma sinfonia. Além disso, musicalmente foi do mais sofisticado ao mais simples em suas composições. Nelas, misturou estilos de música estrangeira com nacional. Como já foi criticado pelo apelido, devo dizer que mais patriota seu nome não poderia ser: Antonio Carlos Brasileiro de Almeida Jobim.

Vinicius de Moraes, poeta e diplomata, sempre se identificou mais com as palavras do que com as harmonias, embora fosse muito musical. Além disso, foi da Bossa Nova à Valsas e Sambas de Roda, passando pelo Afro-samba. Nesse, junto com um dos violonistas mais talentosos que o Brasil já teve, Baden Powell, resgatou os instrumentos do Candomblé, misturando com corais e poesias no meio de certas músicas.

Alguns críticos musicais fazem seu trabalho mais ligado à fase política que se passa do que pensando na importância musical para a história, o que é normal pela relação direta que a música muitas vezes tem com a política. Porém, em alguns momentos isso fica confuso e ocorre uma mistura equivocada.

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