4 de jul. de 2010

"OS DESAFINADOS", DE WALTER LIMA JR. por gabriela buarque barbato

Esta crítica não pretende se fixar em descrever se a trama é boa, se o roteiro é estruturado, se existem equívocos ou acertos e se os atores estão atuando pessimamente ou brilhantemente. O objetivo de escolher esse filme como objeto de crítica é o de constatar, através da apreciação de um cineasta, a abordagem e a visão do mesmo sobre a Bossa Nova.

Inicialmente podemos notar que o diretor abre o filme com uma visão panorâmica do Rio de Janeiro, passando para a imagem do mar e por fim, fechando com um close num saxofonista. Desta forma, pode-se intuir que o diretor traça um paralelo entre o espírito bossa novista (carioca, praiano, o amor, o sorriso) e o jazz, sendo que de fato, ao longo do filme, descobrimos que a essa associação é sempre presente e norteadora da trama.

O filme começa mostrando um Brasil otimista e inovador. Parece querer transmitir o sentimento dos Anos Dourados, dos “50 anos em 5” de Juscelino, do American Way of Life. Um momento em que o país começava a exportar sua música e parecia que o país iria decolar no cenário musical, político e social. Contudo, aos poucos o roteiro vai tomando outro rumo e culmina com o golpe militar de 64 e a ditadura que se instaurou a partir daí.

Em determinado momento, existe uma cena interessante que retrata bem essa questão da música brasileira despontando no cenário internacional. Esse grupo chamado Rio Bossa Cinco, se inscrevem em uma seleção para ir tocar num show em Nova Iorque, no Carnegie Hall. Porém eles não conseguem ser escolhidos, mas optam por tentar a sorte no exterior mesmo assim. Chegando lá, encontram com um gringo que comenta algo sobre o tal show, dizendo o seguinte: "As pessoas ficaram surpresas, pois para muitos, a música brasileira ainda é extravagante, bananas na cabeça. A Bossa Nova é o oposto disso. João Gilberto é um gênio. Tão reservado, tão calmo, tão cheio de significado".

Outro ponto a se destacar é a presença massiva de sons do jazz na trilha sonora do filme. Instrumentos como contrabaixo, sax e flauta transversa estão sempre integrados com a "voz e o violão", retratando assim o surgimento de um ritmo, segundo a visão do diretor, nacional-americanizado, que contrapõe o posicionamento de Tinhorão, por exemplo, de que a bossa nova não passava de um produto da influência da música norte-americana, o que resultava, segundo ele, em uma música inautêntica. Mas o que de fato o diretor procurou expor em diversos momentos é um dialogo bilateral entre jazz e bossa, onde um se apropria do outro, recriando, rearranjando e dando origem a uma musicalidade intimista despojada e delicada.

Em determinado momento, quase que imperceptivelmente, o diretor faz uma crítica a este movimento através do personagem de Selton Mello, que diz: "O problema da bossa nova é que é muito 'tardinha', 'branquinho', 'barquinho'. É muito 'inho'. Tinha que ter uma temática socialmente mais forte. A arte é o produto da nossa qualificação como sociedade". Não só nessa, mas como em muitas outras cenas, percebemos que o diretor vai deixando sorrateiramente sua visão sobre esse estilo musical ser comunicada através de nuances de expressões e abordagens. Por exemplo, o filme parece acreditar na idéia de que esses meninos da bossa nova eram, de certa forma, lunáticos, alienados da realidade e que viviam apenas para cantar e viver a vida. Isto porque, só quando voltam de NY para o Brasil, "descobrem" que o país está sobre a ditadura. Isto é representado através de um diálogo em que um dos integrantes da banda pergunta, ao avistar uma multidão na rua: "O que é isso? Um exército?" e Selton Mello responde: "É o golpe militar, eu ouvi no rádio".

Apesar disso, em nenhum momento o diretor esquece de fazer a contextualização histórica e deixar o filme cair na tentação de se tornar nacionalista ao extremo. Ao contrário, ele faz questão de mostrar tanto a ditadura brasileira, quanto a Argentina e inclusive, de maneira an passant, o famoso discurso de Luther King "Eu tenho um sonho".

Desta maneira, o filme termina deixando-nos o sentimento de que a bossa nova surgiu das mãos de uma juventude extremamente urbana, que gostava de jazz moderno, que não se importava com a internacionalização da música. Não eram jovens da Zona Sul e muito menos defensores de uma raiz cultural tradicional, mas sim homens divididos em dois mundos, assim como é dividida a própria bossa, soma de samba com o jazz.

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